A Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu, na última segunda-feira, suspender temporariamente seus testes com a substância hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19. A decisão vem em meio a uma polêmica crescente envolvendo o medicamento, que já há algum tempo têm sido apontado como possível candidato para combater o novo coronavírus, apesar de não haver evidências científicas quanto a isso. Mas, afinal, o que levou à decisão da OMS?
O principal motivo para o cancelamento temporário dos testes, segundo a própria OMS, foi a publicação de um estudo na revista científica The Lancet na última sexta-feira (22), que mostrou que o uso hidroxicloroquina (ou da cloroquina) não traz benefícios para pacientes com Covid-19, e que, além disso, alguns pacientes enfrentam efeitos adversos sérios, como arritmia cardíaca. Como já reportamos na SUPER, esse foi o maior estudo do tipo até então: foram 96 mil pacientes internados em 671 hospitais desde o começo do ano. Outros estudos, com amostragens menores, já apontaram que o uso das substâncias não parecia trazer benefícios e que poderia haver riscos sérios à saúde dos pacientes.
Como o estudo é de grande abrangência e reforça a ideia de que o uso dos medicamentos pode trazer malefícios, a OMS decidiu suspender temporariamente os testes envolvendo a hidroxicloroquina em diversos países. A chave aqui é a palavra temporariamente: a organização ressaltou que a pausa é para reavaliar os protocolos de segurança e os novos dados obtidos, e em cerca de duas semanas um comitê de segurança internacional deve anunciar se retoma ou não os experimentos.
Até agora, a hidroxicloroquina integrava o experimento Solidarity da Organização, lançado em março. A iniciativa visa acelerar os estudos sobre tratamentos da Covid-19 e reunir uma grande base de dados de pacientes de todo o mundo: já são mais de 3,500 pacientes em 17 países registrados. Quando lançou o experimento global, a OMS escolheu 4 tratamentos para serem testados: além da hidroxicloroquina, entraram para a lista o antiviral remdesivir; a combinação de drogas anti-HIV ritonavir e lopinavir; e a mesma combinação anterior, mas em conjunto com a substância interferon-beta, usada no tratamento de esclerose múltipla. (A cloroquina, substância da qual se deriva a hidroxicloroquina, estava na lista inicial, mas não chegou de fato a integrar os testes e foi removida da lista oficialmente em maio.)
Desde que divulgou a lista, porém, a OMS deixou claro que as opções eram dinâmicas, e que qualquer medicamento poderia ser adicionado ou removido dos testes de acordo com as novas evidências – foi o caso da hidroxicloroquina. Agora, um grupo composto por 10 países que integram o projeto Solidarity se reunirá para reavaliar a segurança da substância e decidir se os testes deverão ou não ser retomados.
A OMS também lembrou que a cloroquina e a hidroxicloroquina já são utilizadas em tratamentos de outras doenças, como a malária no caso da cloroquina e doenças autoimunes no caso da hidroxicloroquina. Nestes cenários, os protocolos de segurança já estão estabelecidos e o uso destes medicamentos deve continuar, desde que haja prescrição e acompanhamento médico.
E no Brasil?
Por aqui, seguimos na direção contrária. Após a saída do ministro Nelson Teich, o Ministério da Saúde publicou um novo protocolo recomendando o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina logo no início dos sintomas de Covid-19, mesmo para casos leves. Até então, a aplicação era restrita a pacientes graves e críticos monitorados em hospitais. A nova posição é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro e foi a razão principal para o seu rompimento com Teich.
Mesmo após a decisão da OMS, o Ministério decidiu manter a decisão. “Estamos muito tranquilos e serenos em relação a nossa orientação”, disse, na segunda-feira (25), Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde e uma das autoras do documento. A médica também aproveitou para criticar a decisão da OMS com base no estudo publicado na revista The Lancet. “Não se trata de um ensaio clínico, é apenas um banco de dados coletados de vários países. Não entra no critério de um estudo metodologicamente aceitável para servir de referência para nenhum país, nem para o Brasil.”
Como já explicamos, o estudo dos pesquisadores americanos e suíços realmente não é um ensaio clínico controlado – no qual há divisão entre um grupo que tomará o medicamento testado e outro que tomará placebo, além de vários outros controles de variáveis. Este tipo de ensaio geralmente requer tempo e é difícil de se fazer em uma pandemia, quando há muitas vidas em risco.
Mas, como explicou a cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan, a decisão se baseia na grande amostragem do estudo e também nos questionamentos de diversos países, fazendo com que a Organização tenha escolhido o caminho da cautela.