Uma em cada três crianças e adolescentes do mundo todo estão intoxicados por chumbo, que pode causar diversos problemas à saúde humana, segundo um novo relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). No total, 800 milhões de pessoas entre 0 e 19 anos no mundo todo carregam alguma quantidade preocupante do metal pesado no organismo. Elas estão concentradas principalmente em países em desenvolvimento (uma classificação adotada pelo Banco Mundial que engloba a maior parte dos países que antigamente eram classificados como “subdesenvolvidos”).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o chumbo é tão tóxico que não há um nível considerado “seguro” para sua presença no sangue, e mesmo concentrações muito baixas podem causar danos severos à saúde. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos estabelece que acima de 5 microgramas por decilitro (µg/dl) é necessário intervir, e foi essa métrica utilizada pelo novo estudo. A conclusão foi que uma em cada três crianças ultrapassa esse limite.
O novo relatório escancarou que o problema tem proporções muito maiores do que se pensava até agora. A intoxicação por chumbo é especialmente preocupante em crianças porque afeta permanentemente o sistema nervoso em desenvolvimento, causando problemas neurológicos para o resto da vida. Além disso, ele se acumula nos tecidos do corpo lentamente, danificando também outros órgãos em longo prazo, como rins, coração e pulmões. Diversos estudos também já associaram maiores níveis de chumbo em uma população a um QI médio menor e até a índices de violência e criminalidade maiores.
“Com poucos sintomas precoces, o chumbo causa silenciosamente danos à saúde e ao desenvolvimento das crianças, com possíveis consequências fatais”, disse a direto executiva do Unicef, Henrietta Fore. “Saber disso deve motivar ações urgentes para proteger as crianças de uma vez por todas.”
Já se sabe dos efeitos negativos do chumbo em nosso corpo há décadas – tanto que iniciativas de saúde pública em vários países conseguiram proibir o uso do metal na fabricação de diversos produtos.
O chumbo, porém, é muito útil em certas aplicações, especialmente na indústria química e na construção civil, o que torna impossível eliminá-lo totalmente em locais industrializados. Neste caso, as legislações quase sempre preveem que quaisquer objetos que contenham chumbo (como baterias de carro) ou tenham tido contato frequente com o metal sejam reciclados seguindo uma série de protocolos para proteger a saúde e o ambiente – e jamais descartados na natureza, onde o chumbo também tem um impacto negativo.
É aí que mora o problema: segundo o relatório, a maior parcela da contaminação por chumbo em crianças pode ser atribuída a processos precários de reciclagem de aparelhos com chumbo, especialmente baterias de carro, que utilizam o metal e ácidos para gerar energia (estima-se que 85% do chumbo usado pela humanidade vá parar em baterias de carro).
Em países de baixa e média renda, muitas vezes a reciclagem é feita pelo mercado informal, sem seguir procedimentos de segurança adequados, o que acaba contaminando as pessoas envolvidas e também o solo da região. Soma-se isso ao fato de que, nos últimos 20 anos, a venda de veículos triplicou nestes países, o que resulta em 50% das baterias tendo fins inadequados, segundo o relatório.
É por esse motivo que os países em desenvolvimento correspondem a maior parte dos casos de intoxicação em crianças, e que quase metade dos 800 milhões de jovens afetados vive no sul da Ásia. No Brasil, estima-se que sejam 4 milhões de crianças tenham níveis altos de chumbo no sangue. Mas isso não significa que países desenvolvidos estejam livres do problema: nos Estados Unidos, são mais de 1,2 milhões de crianças afetadas, que se concentram nas famílias mais pobres. No Reino Unido, são mais de 200 mil, enquanto tanto a França como a Alemanha ultrapassam a marca de 300 mil.
Os casos de intoxicação também são culpa do uso de tubulações de água antigas, feitas com chumbo, de vazamentos de indústrias mineradoras e de outros produtos que levam o metal além das baterias de carro, como tintas e combustíveis, embora esses estejam se tornando cada vez mais raros em países com legislações eficientes.