“A diferença entre um remédio e um veneno está só na dosagem.” A frase, que parece só um ditado popular da vovó típica, é atribuída ao médico alemão Paracelso, que viveu no século 16. E ele, é óbvio, estava certo. Pesquisadores americanos descobriram que o vírus da zika (responsável por uma epidemia que, desde 2015, já causou mais de 2,2 mil casos de microcefalia em recém-nascidos brasileiros) pode ser um tratamento eficiente para tumores no cérebro.
A ideia é simples. Se o zika é capaz de impedir o crescimento do cérebro de um feto durante a gestação, ele também deve ser capaz de atacar, em adultos, as células mutantes que são responsáveis por um tipo especialmente perigoso de câncer: o glioblastoma. Glioblastomas crescem rápido e matam a maior parte dos pacientes em um ou dois anos após o diagnóstico. O tratamento padrão é bastante invasivo. O primeiro passo é remover o grosso do tumor com uma cirurgia (sim, é preciso abrir o crânio). Depois, usar quimoterapia para tentar conter a multiplicação das células restantes, que se esconderam do bisturi.
É uma luta perdida. Afinal, sempre sobrarão uma ou duas. Em cerca de seis meses, essas pouquíssimas sobreviventes – que atuam de forma análoga às versáteis células-tronco – repõem o tecido removido, e o tumor volta ao tamanho original.
E é aí que o zika tem vantagem em relação ao tratamento tradicional. Em fetos, ele contém o crescimento do cérebro justamente porque mata as células-tronco que dão origem aos neurônios, e não os neurônios em si. Em adultos, portanto, ele faria algo parecido: poupar os tecidos que estão saudáveis e atacar apenas as células-tronco que dão uma segunda chance ao câncer. Cortar o mal pela raíz, ao pé da letra. “Nós conseguimos imaginar o Zika sendo usado junto com as terapias atuais para erradicar o tumor inteiro”, afirmou em comunicado Milan Chheda, pesquisador da Universidade de Washington e um dos autores do artigo científico.
A maneira mais fácil de fazer isso, na prática, seria injetar o zika diretamente no cérebro dos pacientes, no momento da cirurgia de remoção. Antes que você pergunte, não, isso provavelmente não causaria problemas ainda piores que o tumor em si. O vírus usado no experimento carregava duas mutações genéticas que diminuíam sua capacidade de infectar as células saudáveis dos pacientes. Basicamente um vírus convertido, que largou o lado negro da força e aceitaria ser atacado pelo sistema imunológico do doente depois que sua missão fosse cumprida.
“Nós vamos introduzir mutações adicionais para sensibilizar ainda mais o vírus à resposta imunológica inata e evitar que a infecção se espalhe”, explicou Chheda. “Com mais algumas modificações, esperamos que seja impossível o vírus causar a doença.”