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Como um jogo de Liga Europa revive tensões do leste do continente

Conflito entre países que se arrasta desde os anos 1980 gerou até uma "lista negra" e, pela segunda vez, deve tirar um atleta de uma partida internacional

Por Guilherme Eler
20 set 2018, 16h33

A edição 2018/2019 da Liga Europa, torneio de futebol disputado entre clubes do velho continente desde a década de 1970, teve início nesta quinta-feira (20). É como se fosse a Copa Sul-Americana deles: enquanto os times mais badalados e milionários brigam pela Liga dos Campeões (nossa Libertadores da América), o outro torneio é a chance de grandes que andam meio mal das pernas voltarem a ganhar títulos internacionais e de equipes inexpressivas darem uma de azarão e escreverem seus nomes na história do futebol local.

Na primeira categoria, estão poderosos da Inglaterra como Arsenal e Chelsea, o papatítulos espanhol Sevilla e as esquadras italianas Milan e Lazio, por exemplo. Na outra ponta, a lista é mais extensa. Entre os 48 times que jogam o torneio, estão representantes de Luxemburgo, Eslováquia, Chipre e até de países que não são europeus, como o Cazaquistão, e de outros divididos na fronteira  geográfica da Europa com a Ásia, como o Azerbaidjão. É justamente lá que se encontra a mais nova tensão geopolítica transportada para dentro das quatro linhas de cal.

É provável que o único representante azeri, o FK Qarabag, faça apenas figuração e nem avance para a fase mata-mata da Liga Europa. O grupo sorteado é complicado, com os favoritos Arsenal e Sporting, de Portugal além do Vorskla, da Ucrânia, outro coadjuvante.

Mesmo que não alcance o sonhado destaque esportivo, o time ganhou notoriedade nos últimos dias só por ser anunciado ao lado dessas equipes. Isso porque o segundo jogo do Qarabag na competição, que acontece contra o time inglês em 4 de outubro, reacende um impasse geopolítico que se estende há 30 anos.

O problema todo envolve um dos principais nomes do meio-campo do Arsenal, o experiente Henrikh Mkhitaryan, de 29 anos. Ainda que esteja em plenas condições de jogo, é provável que ele seja o primeiro desfalque anunciado para a partida. O motivo? Nasceu na Armênia e, por isso, não pode colocar os pés no Azerbaidjão.

Treta no Cáucaso

Conflito Nagorno-Karabakh
(dikobraziy/Montagem sobre reprodução)
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As tensões entre os dois países nasceram em 1988 e envolvem a região de Nagorno-Karabakh. O território, apesar de fazer parte do Azerbaidjão, tem maioria da população composta por armênios e se tornou independente contra a vontade do país.

Os conflitos se intensificaram em 1991, ano em que os azeris conseguiram independência da União Soviética. Uma guerra eclodiu em 1992, e no ano seguinte, armênios passam a controlar um quinto do país vizinho. Calcula-se que a contenda tenha causado 25 mil mortes, além de milhares de refugiados.

Um primeiro cessar-fogo não-oficial foi oficializado em 1994, e as fronteiras se mantêm intactas desde então. Apesar disso, as relações diplomáticas nunca foram restabelecidas por completo nenhum dos países se reconhece diplomaticamente.

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Os impasses atuais da região foram resumidos pelo Conselho de Segurança dos Estados Unidos da seguinte maneira:

“Os três lados, Armênia, Azerbaidjão e Nagorno-Karabakh se recusam a ceder caso os outros não façam concessões. O Azerbaidjão quer que a Armênia encerre sua ocupação primeiro, retirando suas forças militares, antes de discutir o status de Nagorno-Karabakh se é independente ou não. A Armênia, contudo, cobra que essa situação seja resolvida primeiro. Para Nagorno-Karabakh, por sua vez, só serve uma coisa: independência total reconhecida oficialmente”.

Em 2016, o cessar-fogo chegou a ser desrespeitado. Apenas quatro dias antes de que o confronto armado fosse novamente suspenso causaram um saldo de 64 mortos.

É comum que, por causa de todo esse imbróglio, vistos a armênios que queiram entrar no país sejam negados. Aliás, a medida não envolve apenas armênios “da gema”: ter ascendência no país já é critério para eleger alguém como inapto a cruzar a fronteira.

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A região de Nagorno-Karabakh, por sua vez, tem restrições ainda mais severas. Não são permitidas visitas internacionais. Cidadãos estrangeiros que viajam para esses territórios ocupados passam a integrar uma relação de personae non gratae. Em 2018, essa lista-negra já ultrapassava 700 pessoas.

Reincidência futebolística

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(Reprodução/Wikimedia Commons)

Não é a primeira vez que Mkhitaryan sofre uma sanção do tipo na competição por causa de sua nacionalidade. Em 2015, quando jogava pelo Borussia Dortmund, da Alemanha, o jogador já havia deixado de viajar com a equipe que enfrentaria o Gabala, também do Azerbaidjão, pelo mesmo motivo.

À época, a embaixada azeri na Alemanha garantiu o acesso do atleta ao país. O time alemão, contudo, preferiu poupá-lo. Apesar da Uefa ter se disponibilizado a dar todo o suporte para o caso mais recente, a tendência é que o Arsenal também priorize a segurança e deixe de levar seu jogador armênio para o lado azeri.

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As más-notícias para Mkhitaryan, porém, não param por aí. Caso o Arsenal faça uma boa campanha e consiga chegar à final da Liga Europa, o que não acontece desde 2000, o dilema deve voltar à tona. Assim como acontece com a Liga dos Campeões – e como a Libertadores também tenta implementar a final da Liga Europa acontece em uma sede fixa, independentemente da nacionalidade dos finalistas.

A sede deste ano, coincidentemente, será Baku, a capital do Azerbaidjão, que nos últimos anos vem sediando diversas competições esportivas de primeira linha, de mundial de judô a grande prêmio de Fórmula 1. Ou seja: nada de armênios subindo em pódios por lá – ainda que eles façam por onde.

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