A edição 2018/2019 da Liga Europa, torneio de futebol disputado entre clubes do velho continente desde a década de 1970, teve início nesta quinta-feira (20). É como se fosse a Copa Sul-Americana deles: enquanto os times mais badalados e milionários brigam pela Liga dos Campeões (nossa Libertadores da América), o outro torneio é a chance de grandes que andam meio mal das pernas voltarem a ganhar títulos internacionais – e de equipes inexpressivas darem uma de azarão e escreverem seus nomes na história do futebol local.
Na primeira categoria, estão poderosos da Inglaterra como Arsenal e Chelsea, o papatítulos espanhol Sevilla e as esquadras italianas Milan e Lazio, por exemplo. Na outra ponta, a lista é mais extensa. Entre os 48 times que jogam o torneio, estão representantes de Luxemburgo, Eslováquia, Chipre e até de países que não são europeus, como o Cazaquistão, e de outros divididos na fronteira geográfica da Europa com a Ásia, como o Azerbaidjão. É justamente lá que se encontra a mais nova tensão geopolítica transportada para dentro das quatro linhas de cal.
É provável que o único representante azeri, o FK Qarabag, faça apenas figuração e nem avance para a fase mata-mata da Liga Europa. O grupo sorteado é complicado, com os favoritos Arsenal e Sporting, de Portugal – além do Vorskla, da Ucrânia, outro coadjuvante.
Mesmo que não alcance o sonhado destaque esportivo, o time ganhou notoriedade nos últimos dias só por ser anunciado ao lado dessas equipes. Isso porque o segundo jogo do Qarabag na competição, que acontece contra o time inglês em 4 de outubro, reacende um impasse geopolítico que se estende há 30 anos.
O problema todo envolve um dos principais nomes do meio-campo do Arsenal, o experiente Henrikh Mkhitaryan, de 29 anos. Ainda que esteja em plenas condições de jogo, é provável que ele seja o primeiro desfalque anunciado para a partida. O motivo? Nasceu na Armênia e, por isso, não pode colocar os pés no Azerbaidjão.
Treta no Cáucaso
As tensões entre os dois países nasceram em 1988 e envolvem a região de Nagorno-Karabakh. O território, apesar de fazer parte do Azerbaidjão, tem maioria da população composta por armênios e se tornou independente contra a vontade do país.
Os conflitos se intensificaram em 1991, ano em que os azeris conseguiram independência da União Soviética. Uma guerra eclodiu em 1992, e no ano seguinte, armênios passam a controlar um quinto do país vizinho. Calcula-se que a contenda tenha causado 25 mil mortes, além de milhares de refugiados.
Um primeiro cessar-fogo não-oficial foi oficializado em 1994, e as fronteiras se mantêm intactas desde então. Apesar disso, as relações diplomáticas nunca foram restabelecidas por completo – nenhum dos países se reconhece diplomaticamente.
Os impasses atuais da região foram resumidos pelo Conselho de Segurança dos Estados Unidos da seguinte maneira:
“Os três lados, Armênia, Azerbaidjão e Nagorno-Karabakh se recusam a ceder caso os outros não façam concessões. O Azerbaidjão quer que a Armênia encerre sua ocupação primeiro, retirando suas forças militares, antes de discutir o status de Nagorno-Karabakh – se é independente ou não. A Armênia, contudo, cobra que essa situação seja resolvida primeiro. Para Nagorno-Karabakh, por sua vez, só serve uma coisa: independência total reconhecida oficialmente”.
Em 2016, o cessar-fogo chegou a ser desrespeitado. Apenas quatro dias antes de que o confronto armado fosse novamente suspenso causaram um saldo de 64 mortos.
É comum que, por causa de todo esse imbróglio, vistos a armênios que queiram entrar no país sejam negados. Aliás, a medida não envolve apenas armênios “da gema”: ter ascendência no país já é critério para eleger alguém como inapto a cruzar a fronteira.
A região de Nagorno-Karabakh, por sua vez, tem restrições ainda mais severas. Não são permitidas visitas internacionais. Cidadãos estrangeiros que viajam para esses territórios ocupados passam a integrar uma relação de personae non gratae. Em 2018, essa lista-negra já ultrapassava 700 pessoas.
Reincidência futebolística
Não é a primeira vez que Mkhitaryan sofre uma sanção do tipo na competição por causa de sua nacionalidade. Em 2015, quando jogava pelo Borussia Dortmund, da Alemanha, o jogador já havia deixado de viajar com a equipe que enfrentaria o Gabala, também do Azerbaidjão, pelo mesmo motivo.
À época, a embaixada azeri na Alemanha garantiu o acesso do atleta ao país. O time alemão, contudo, preferiu poupá-lo. Apesar da Uefa ter se disponibilizado a dar todo o suporte para o caso mais recente, a tendência é que o Arsenal também priorize a segurança e deixe de levar seu jogador armênio para o lado azeri.
As más-notícias para Mkhitaryan, porém, não param por aí. Caso o Arsenal faça uma boa campanha e consiga chegar à final da Liga Europa, o que não acontece desde 2000, o dilema deve voltar à tona. Assim como acontece com a Liga dos Campeões – e como a Libertadores também tenta implementar – a final da Liga Europa acontece em uma sede fixa, independentemente da nacionalidade dos finalistas.
A sede deste ano, coincidentemente, será Baku, a capital do Azerbaidjão, que nos últimos anos vem sediando diversas competições esportivas de primeira linha, de mundial de judô a grande prêmio de Fórmula 1. Ou seja: nada de armênios subindo em pódios por lá – ainda que eles façam por onde.