O isolamento social e os lockdowns realizados em muitas cidades ao redor do mundo para conter o avanço do coronavírus parecem reduziram consideravelmente o crime nas cidades. É o que sugere um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Cambridge (na Inglaterra) e da Universidade de Utrecht (na Holanda), publicado hoje (2) no periódico Nature Human Behaviour.
O estudo analisou o número diário de infrações de vários tipos, antes e depois da implementação de restrições, em diversas capitais e grandes centros urbanos – como Barcelona, Londres, Chicago, São Paulo, Rio de Janeiro e Lima. Ao todo, dados de 27 cidades entraram na pesquisa, localizadas em 23 países das Américas, Ásia, Europa e Oriente Médio. A conclusão é foi que as taxas de quase todos os crimes – a única exceção são os homicídios – caíram significativamente em nos locais estudados.
As agressões ficaram 35% menos frequentes. Os roubos acompanhados por ameaça e violência diminuíram quase pela metade, apresentando uma queda de 46%. Furtos de carteiras tiveram uma redução parecida, de 47%. Os três valores são as médias de todas as cidades analisadas.
Manuel Eisner, um dos principais autores do estudo, afirma: “A vida na cidade foi drasticamente reduzida pela covid-19, e o crime é uma grande parte da vida na cidade”. É claro: se as pessoas não frequentam mais os lugares em que infrações costumam acontecer, os infratores ficam sem vítimas.
O efeito positivo para a segurança pública dura pouco. Os delitos caem bastante no máximo cinco semanas após a implementação das medidas de isolamento, e depois retornam gradualmente para os níveis anteriores.
Os pesquisadores verificaram que, embora os lockdowns sejam o jeito mais eficiente de reduzir roubos, mesmo as cidades em que o isolamento não foi tão intenso (caso da maior parte das cidades brasileiras e de Estocolmo, na Suécia) os indicadores de violência caíram de maneira perceptível.
As conclusões gerais podem soar óbvias, mas as diferenças entre cidades específicas são mais interessantes.
Por exemplo: a variação no número de invasões – seja de domicílios ou de estabelecimentos – foi muito diferente entre Lima, no Peru, e São Francisco, nos EUA. O delito caiu 84% na cidade peruana, mas aumentou 38% na cidade
americana.
Os homicídios foram o tipo de crime que menos caiu: apenas 14% em média. A pesquisadora Amy Nivette, autora principal do estudo, explica: “Em muitas sociedades, uma porção significativa de assassinatos são cometidos em casa. [Assim,] as restrições à mobilidade urbana podem ter pouco efeito nos homicídios domésticos”. No Brasil, por exemplo, os feminicídios – homicídios cometidos contra mulheres, motivados pela violência doméstica e discriminação de gênero – aumentaram durante o isolamento social.
“Além disso, o crime organizado é responsável por uma porcentagem de assassinatos. É provável que o comportamento das gangues seja menos sensível às mudanças impostas por um lockdown”, afirma Nivette.
No entanto, mesmo cidades sul-americanas conhecidas pela violência de gangues apresentaram reduções nos homicídios com o isolamento social. No Rio de Janeiro, a queda foi de 24%; em Cali, na Colômbia, de 29%; já em Lima, no Peru, de 76%. Os ataques violentos também foram reduzidos: no Rio de Janeiro, caíram 56%; em Lima, 75%.
Eisner afirma: “É possível que grupos criminosos tenham usado a crise para fortalecer seu poder, impondo toques de recolher e restringindo o movimento em territórios que eles controlam”. Isso poderia explicar a redução dos crimes nessas cidades.
A pesquisa não distinguiu áreas comerciais e residenciais nas cidades, e a equipe não encontrou relação entre medidas como o fechamento de escolas e auxílios econômicos oferecidos nas cidades com as reduções de crimes durante o isolamento.
Eisner afirma: “As medidas tomadas pelos governos em todo o mundo para controlar a covid-19 proporcionaram uma série de experimentos, com grandes mudanças nas rotinas e no uso dos espaços públicos. A pandemia foi devastadora, mas também trouxe oportunidades para entender melhor os processos sociais, como os relacionados à criminalidade nas cidades.”