Entre as várias aplicações para inteligência artificial (como a produção de vídeos, imagens e até livros inteiros), um recente estudo brasileiro, em parceria com pesquisadores britânicos, quer usar a tecnologia para descobrir áreas de risco do mosquito Aedes aegypti.
A pesquisa foi realizada por uma parceria entre três universidades: a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Sheffield, no Reino Unido. O projeto desenvolveu um modelo de computador que, a partir de fotos de fachadas de prédios, consegue dizer a probabilidade de uma região possuir focos de proliferação do mosquito.
Em 2022, um estudo parecido também envolvia IA no combate a surtos de dengue, zika e chikungunya. A pesquisa combinava diversos dados, como índices de precipitação, temperatura, espaciais e demográficos para prever surtos dessas doenças.
No estudo recente, a abordagem é um pouco diferente. Como é difícil realizar as visitas em residências fiscalizando possíveis locais de proliferação, os pesquisadores decidiram utilizar imagens de fachadas dos prédios para identificar quais os locais que apresentavam maiores riscos para a presença do mosquito.
Como a pesquisa foi feita
Em Campinas, os pesquisadores visitaram e fotografaram edifícios de 200 quarteirões da cidade. Essas imagens foram parar em um banco de dados, em que os cientistas criaram classificações para a construção das fachadas, dos quintais e do grau de sombreamento que os edifícios apresentavam.
Com isso, foi possível registrar qual tipo de fachada apresentava maior ou menor grau de possuir foco de dengue. Esses dados foram então adicionados a um programa do PCINet, que usa inteligência artificial para “aprender” com o banco de dados das imagens a identificar (e reproduzir) padrões. No caso, dizer qual tipo de fachada tem maior risco.
Com os dados de Campinas, foi possível expandir o projeto. O PCINet pega imagens de ferramentas como o Google Street View, Google Maps e OpenStreetMaps e as compara com o acervo com o qual a IA aprendeu. Ao comparar as novas imagens com as informações já registradas, o software conseguiu analisar de forma rápida (e menos invasiva que uma visita presencial) edifícios que tinham condições para a propagação do mosquito vetor do vírus da dengue.
Francisco Chiaravalloti Neto, coordenador do estudo e professor do Laboratório de Análise Espacial em Saúde (Laes) da Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP), em entrevista à Agência Fapesp, explica como o uso dessas imagens pode tornar o combate à dengue mais eficiente.
“O uso de imagens do nível da rua, como as fornecidas pelo Google Street View ou OpenStreetMap, e do PCINet poderiam ajudar a otimizar o monitoramento do A. aegypti, reduzindo o número de visitas presenciais necessárias para identificar edifícios, quarteirões e bairros com maior risco de arboviroses como a dengue, direcionando as atividades de controle para essas áreas.”
O trabalho, publicado no repositório MedRxiv, ainda não foi revisado por pares, uma importante etapa de uma pesquisa científica para atestar a sua validade. No entanto, a expectativa dos pesquisadores é que a pesquisa possa, no futuro, ser feita em cidades com tamanhos e características diferentes entre si, e que o projeto vire uma ferramenta para que o governo público elabore medidas de combate à dengue, zika e chikungunya de forma mais direcionada e objetiva.
O país enfrenta no momento um grande surto da doença. Segundo dados do Ministério da Saúde, já são mais de um milhão de pessoas infectadas pelo vírus. Para comparar, o mesmo período no ano passado registrou 207.475 casos.
Até o momento, 2.014 mortes já foram confirmadas. Outras 600 ainda aguardam confirmação para saber se, de fato, foram causadas por dengue. A alta no número de casos fez com que sete estados (AC, GO, MG, ES, RJ, SC e SP), tenham declarado situação de emergência em saúde pública.