Em 1921, a peça teatral R.U.R., escrita por Karel Čapek, era apresentada pela primeira vez. O enredo trazia a história de robôs que trabalhavam para humanos, mas que acabaram se rebelando e exterminando a nossa espécie – um clichê visto até hoje em algumas produções. O fato curioso é que, até então, a palavra “robô” nunca havia sido utilizada. Ela surge pela primeira vez no título R.U.R. (Robôs Universais de Rossum) como uma variação da palavra tcheca “robota”, que significa trabalho forçado.
Para comemorar os 100 anos da invenção do termo, um grupo intitulado THEaiTRE – referência à palavra theatre e à abreviação AI, ambas do inglês – resolveu criar e exibir uma peça roteirizada por um robô. “IA: Quando um robô escreve uma peça” conta a história de um robô que sai pelo mundo com o objetivo de aprender sobre a sociedade, as emoções humanas e a morte.
Se você está imaginando um robozinho sentado na mesa escrevendo a narrativa, pode desapegar dessa ideia. O roteiro surge a partir de um sistema de inteligência artificial chamado GPT-2. Ele foi desenvolvido pela OpenAI, uma instituição de pesquisa sem fins lucrativos fundada por Elon Musk. Então, nada de C-3PO, apenas uma CPU.
Se você já usou algum dos chamados Geradores de Lero Lero da internet, vai perceber que a premissa aqui é bem parecida, apenas um pouco mais sofisticada. O GPT-2 é projetado para gerar textos a partir de informações retiradas da Internet. Então, você dá o pontapé inicial escrevendo uma frase qualquer e ele completa sua ideia. Sinta-se à vontade para testar clicando neste link aqui, mas saiba que as frases escritas em português na plataforma levam a textos mais confusos – se souber escrever em inglês, tente usar o idioma e terá um resultado mais interessante.
Pesquisadores da Universidade Carolina de Praga (República Tcheca) que estavam envolvidos na peça deram início ao projeto com um pequeno diálogo entre um homem e um robô. A primeira frase colocada no sistema foi: “Olá, sou um robô e é um prazer convidá-los para ver uma peça que escrevi”. Portanto, o roteiro não foi inteiramente produzido pela IA. Depois de cada frase, o software é levado a gerar um texto adicional que pode chegar ao tamanho de mil palavras. Foi necessário o auxílio de um profissional para ir costurando os diferentes blocos gerados, mas o grupo assegura que 90% dos créditos devem ser dados a IA.
Além disso, nem sempre o sistema acerta. Após uma série de frases, é comum que surjam algumas falas sem sentido ou que apresentem contradições com o que já foi dito em passagens anteriores. A IA não entende o significado daquelas frases, ela apenas junta palavras que, de acordo com o que já existe na internet, são correlacionadas.
Isso explica a inclinação dela para a criação de algumas cenas pervertidas, incluindo temas como sexo e violência. A falta de filtro para tratar de determinados assuntos não é culpa da “mente poluída” da IA, mas sim reflexo do que as pessoas escrevem na internet. David Košťák, dramaturgo responsável por supervisionar o roteiro, explicou à Science Magazine: “É como uma criança que ouve os pais em casa falando sobre algo que eles não falavam em público. Aí a criança vai para a escola e começa a falar abertamente sobre isso.”
O roteirista inusitado desafiou até mesmo os atores. Uma IA não saberia colocar com exatidão no papel quais ações e emoções deveriam ser interpretadas em cada cena, levando os próprios profissionais a desenvolverem a melhor atuação. Você pode conferir a performance até às 19h59 (horário de Brasília) desta segunda-feira no YouTube.